31 de maio de 2010

Sobre quedas


Arthur não fazia mais parte da vida de Carolina. Apesar de todas as marcas, ele era agora como uma mancha de vinho numa toalha antiga: não fazia diferença, tanto fazia. Carolina pode crescer e testemunhar o chão, ao contrário do que sempre ouvira e até sentira, não era o fim. O chão era só mais uma etapa, como aprender a amarrar os sapatos ou andar de bicicleta. O processo de cair no chão é se espatifar fora um aprendizado incrivel. Com o passar dos dias, ela sorriu mais. O muque ficou mais forte. Os olhos se preencheram. E ela viu que era forte o bastante, que era grande o bastante para suportar.

Matheus Oliveira

24 de maio de 2010

De fada, de bruxa


Tenho quase a certeza de que ela não é desse mundo. Porque ela toca e para. Porque ela olha e para. Porque ela beija e para. O mundo para, a dor e até as águas do rio mais violento. Ela faz parar a dor de corações partidos e peitos abertos. Por isso essa certeza. De que ela pertence a outros mundos, tem outras luas, conhece outros povos. Não sabe o que é traição e nem consegue ser violenta. Tem jeito de fada, de bruxa, de anjo, de espirito. E como se não bastasse, é dona do olhar mais lindo do mundo, do sorriso mais quente do mundo e das mãos mais frias do mundo. E ela desfila por aí, feliz em ser filha, mãe e escrava do meu amor, absurdamente feliz em ser dona da minha paz. E é absurda em todos os sentidos, não enfraquece nunca, nunca. Tenho é orgulho dessa tua força que passa das tuas afinidades com os meus exageros. É a caixinha delicada do coração mais pulsante e lindo desse e de todos os outros mundos, e é por isso que eu faço questão de guardá-la para sempre.
Não vai embora, meu coração, por favor.

Matheus Oliveira à Barbara Bueno, luz de todas as manhãs e eternos olhos de jabuticaba

23 de maio de 2010

Só eu sei que cheguei à humildade máxima que um ser humano pode atingir: confessar a outro ser humano que precisa dele para existir. E no momento em que se confessa a precisão, perde-se tudo, eu sei.

Caio Fernando Abreu

22 de maio de 2010

Não é amor não. É mais que isso, é mais que amor. Porque pra te amar mais, eu tenho que te amar menos. Porque pra morrer de amor por você, eu tive que não morrer. Porque pra ter você por perto um pouco, eu tive que não querer mais ter você por perto pra sempre.E eu soquei meu coração até ele diminuir. Só pra você nunca se assustar com o tamanho [...] E eu vou continuar me fantasiando de não amor, só pra você poder me vestir e sair por aí com sua casca de não amor. E eu vou rir quando você me contar das suas meninas, e eu vou continuar dizendo “bonito carro, boa balada, boa idéia, bonita cor, bonito sapato”. E eu vou continuar sendo só daqui pra fora. Porque no nosso contrato, tomamos cuidado em escrever com letras maiúsculas: não existe ninguém aqui dentro. Mas quando, de vez em quando, o seu ninguém colocar ali, meio sem querer, a mão no meu joelho, só para me enganar que você é meu dono. Só para enganar o cara da mesa ao lado que você é meu dono. Eu vou deixar. Vai que um dia você acredita.

Tati Bernardi

21 de maio de 2010

Na corrida


Maio estava passando com pressa. Era isso, ou Carolina não estava prestando mais atenção no tempo, afinal, as datas no calendário deixaram de ter importância, os segundos iam passando sem sonoridade e quase despercebidos. Ela tentou preencher a mente, encher a mente. Preencher de positividade, otimismo, astrologia, cursos. Encher de coisas, amigos, bares, teatros, manias, vicios. Nem um segundo poderia ser perdido em pensamentos fúteis, nada de pensar. Nem um olhar perdido no horizonte, nem um suspiro de ombros sobrecarregados.
Após o recesso, voltaram as aulas do curso de fotografia. Ver o mundo num angulo novo nunca foi tão divertido. O mundo estava em chamas. As manchetes do jornal estavam ocupadas em anunciar as tragédias. Era tanta coisa para pensar, tantos caminhos para onde fugir. E entre uma fuga e outra, entre um click e outro, Carolina ainda arranjava espaço para encontrar Arthur em pensamentos. E queria que ele voltasse, queria que ele aparecesse e dissesse alguma coisa. "Nós não vamos partir". "Nós não vamos quebrar". Mas isso nunca acontecia. Esse foi o começo de toda a fuga. Carolina logo entraria em outra.

Matheus Oliveira

16 de maio de 2010

Fragmento


Arthur estava sentado na varanda de seu apartamento, com um suco natural (que Carolina jurava que faria bem). Fechou os olhos e tudo estava negro. Então ele apenas olhou a rua e sorriu, triste. Pegou o celular e passou lentamente todos os contatos. Ninguém. Nenhum número para discar, nenhum compromentimento. Porque ele havia sido expulso do coração de todas as pessoas, porque ele simplesmente não aguentava todas as pessoas do mundo, não sei, mas não sobrou ninguém. Nesse momento, quando ele já não sentia o chão embaixo dos seus pés tão firme quanto antes, ele se lembrou dela. Ele sabia que era amor e sabia que tinha acabado, mesmo que um dia ele tivesse dito que não. Foi então que ele ligou de novo para Carolina. Tentar consertar as coisas, por as coisas de volta no lugar. E ninguém atendeu.


Matheus Oliveira

15 de maio de 2010

Curativos

Arthur disse que não haveria motivos para alguém gostar dele, porque era demasiadamente feio e sujo e chato e arrogante e. E Carolina discordava. E o mundo discordava com Carolina. Arthur sempre fora o tipo de homem que deixava as pessoas hipnotizadas. Talvez pelas suas roupas ou pelo timbre de sua voz, quem sabe, mas deixava.
Então Carolina resolveu fazer uma lista. Deveriam haver duzias de motivos, pensou. E por mais que se esforçasse em pensar em outras coisas, ela pensou primeiro no modo como ela não conseguia sentir nada de ruim com Arthur por perto. Como se ele fosse uma grande muralha ou um buraco negro que sugasse forças negativas e vibrações ruins. O mundo ficava mais leve com Arthur do lado, para dividir o peso do mundo. Haveriam duzias de motivos, mas só o que importava era isso: Arthur fazia bem, muito bem. E doía, às vezes.

Matheus Oliveira
Porque o abraço dele era porta fechada. E nem todas as armas e armadilhas podiam alcançá-la dentro daqueles braços. O mundo e o medo ficavam lá fora. E os pensamentos que sussurravam ameaças ao pé do ouvido iam silenciando a cada batida do coração. Dele, que era dela. Quando algum sentimento perigosamente falava mais alto, ela o apertava ainda mais forte, como se tentasse atravessar de uma pele pra outra e deixar a sua vida ali, perdida na dele.

Briza Mulatinho
Nessa fração de segundos, quando seus pés se perderem do chão, você vai se lembrar da minha ternura e do meu sorriso infantil. Virão súbitas lembranças dos meus abraços e beijos, da minha preocupação com você. Em um novo momento, você vai sentir um aperto no peito, uma pausa na respiração e vai torcer bem forte pra ter nosso mundo delicioso de novo. O nome disso é saudade, aquilo que eu tinha tanto, e te falava sempre.

Tati Bernardi
Mas chega. Hoje decidi que estou prestes a assumir meu coração vazio. Não decidi isso movida por uma grande coragem ou por um momento de iluminação. Nada grandioso aconteceu. Apenas sinto que dei um pequeno, quase imperceptível, passo para uma vida mais madura. Eu simplesmente não suporto mais pintar o céu de cor-de-rosa para achar que vale a pena sair da cama.

Tati Bernardi

10 de maio de 2010

Mas a lição que eu aprendi no sábado é que não vale a pena consertar um carro pela décima vez. É mais fácil comprar um novo e fim de papo. Afinal, eu bem que tentei consertar meu relacionamento com todas essas pessoas e só ganhei mais e mais poses e menos e menos verdades. Ainda que doa deixar pessoas morrerem, se agarrar a elas é viver mal assombrado.

Tati Bernardi
Endureci um pouco, desacreditei muito das coisas, sobretudo das pessoas e suas boas intenções.

Caio Fernando Abreu

São as tuas marcas no meu corpo


"Teus buracos encaixam nos meus exageros" é o tema de hoje. Entra, toma um chá, você faz totalmente parte da minha vida. Você é essa força da natureza que deu certo. Para de ser assim, por favor. Talvez você seja toda a minha vida. Eu mal consigo olhar você nos olhos, são grandes e parece que se você fixar muito o olhar, dá pra ver um mundo. E esse mundo que nunca foi tão mundo antes de você existir, é lindo, mas só enquanto você está lá. E Estará, por semanas, décadas e milênios. São tantas as marcas que já fazem parte da gente, tantas tatuagens e fissuras. Meus exageros são seus, querida. E você ainda é a mulher mais linda do mundo. Tua alma é minha, querida. Deixa eu te olhar contra a luz do sol, deixa? Somos isso: o plural de um, o foco de tudo o que há de melhor. A concentração, a força. A armadura e o soldado, o castelo e teu dragão. Vai dar tudo certo, eu prometo, mas cuida de mim? Eu prometo cuidar de você também. Você também pode e sabe que a casa já é tua, o espaço aberto é pequeno, pois minha alma transborda. Olha, você tá sentindo o frio? Ele vem de dentro, querida. Veste o casaco, vamos sair para tomar um café: você e eu e nossos vicios, nossos antídotos, nossa cabeça. E é bom injetar você, fumar você, ser completamente viciado. Olha, eu acredito em você, querida. Porque você é essa força absoluta que nunca precisará guerrear por si só ou abrir a boca para ter vitória. Você já é ganhadora do mundo. Vai, faz o seu olhar que faz a terra parar de girar. Me dá mais um beijo de borboleta que estanca feridas, fecha frestas abertas e canaliza a dor interior. Fica parada mais uma vez. E ainda assim você vai ganhar. Eu e o mundo. Chega mais perto, deixa eu deitar no teu ombro. Que Deus nos abençõe, querida, precisamos. E nos dê força. E paciência. E mais tempo para amar. Muito mais tempo.
Obrigado pela armadura desamassada e polida, eu sou mais forte com você.
Obrigado pelas mãos, pés e cordas que você foi me jogando pelo meio do caminho, eu cheguei até você.
Obrigado pela proteção, pela delicadeza e pela força constante de todos os dias, é mais facil com você lá.
E obrigado, por ser quem eu procurei em galáxias e mundos, mas só encontrei aqui, em você.


Matheus Oliveira dedicado à Bárbara Bueno

9 de maio de 2010

So long, goodbye


- A gente precisa se afastar, antes que seja tarde demais
O humano que estava a sua frente doia, palpitava, latejava, sofria. Ainda que soe assim, drástico ou dramatico, haviam montes instrasponiveis. A sua frente, porta entreaberta, gotas de chuva que caiam das calhas e alguns galhos de árvores - era outono, havia passado o verão: quente e impulsivo.
- O que?
Carolina não percebia que não podia aceitar o convite, embora o direito de escolha não fizesse mais parte dela. Ela não podia evitar ou sequer imaginar um jeito de parar a separação: tudo era inevitavel.
Os numeros nos calendários pareciam definitivos. Eles eram uma bomba relógio. Mas ao contrário: iam explodindo a cada segundo que passava.
- A gente... A gente não vai dar certo, Carolina. Eu amo muito você, mas não está dando
Ela agia como se ele tivesse perguntado as horas. Era como se a qualquer momento, no lugar das quase lagrimas nos seus olhos, ele fosse sorrir igual a um dinossauro e a chamaria para dançar. Passariam bons momentos.
- Tudo bem, Arthur
- Tudo bem?
- Tudo
E não estava. Alguma coisa dentro de Carolina gritava e pulsava. E de alguma forma, parecia irreversivel: O que Carolina sentia era apenas um reflexo do que acontecia do lado de fora. Não era exagero, nem fuga ou saída. Carolina sentia o que era, e o que era era isso: dor.

Matheus Oliveira

6 de maio de 2010

O beijo da borboleta


- Eu perdi essa guerra, Bárbara
- Então tira essa armadura e deixa eu cuidar de você. A grande guerra acabou.

Matheus Oliveira para Bárbara Bueno, sem acento

3 de maio de 2010

Continue respirando


Ali, na frente da porta do apartamento de Arthur, Carolina sentia que o mundo estava prestes a acabar e que aquele momento poderia não durar mais do que um segundo. Embora os jornais anunciassem a noite mais fria do ano, alguma coisa muito quente passava por suas veias e alguma coisa muito forte pulsava em seu peito. Então, respirou fundo e bateu na porta
- Carolina, oi!
- Oi Arthur
- ahn, quer entrar?
Ela percebeu então que não haviam coisas para somar, somente lesões, no sentido de perder. Não eram perdas irreparaveis, mas dependia. De como tudo ia ficar, como tudo era.
No momento em que entrou, sentiu vontade de sair. Vou embora cedo, o caminho de casa é longo, ensaiou. Mas não conseguia dizer. Há dias era assim: ela pensava em algumas palavras, decorava frases mas na hora de dizer, nada saia. Só havia o silêncio agora. Sem frio, sem medo, se encolheu no sofá
- Não veio me dizer que eu só te machuco dessa vez, veio?
- Mas você só machuca mesmo.
(silêncio)
Eles estavam um pouco próximos, um pouco distantes. Eles estavam juntos, como se houvesse uma sintonia, mas de alguma forma eles não podiam se tocar. Poderiam haver cômodos e pontes, Carolina pensou. E mordeu o lábio.
- Você tá diferente. Nem parece mais a Carolina, parece só Ana. É, agora você é Ana Carolina, não Carolina.
Respirou fundo. "Calma Carolina, o mundo continua lá embaixo. Calma". Vontade de voltar, ela tinha. Voltar no tempo, estancar a fresta aberta ou impedir que ela abrisse. Trancar a sete chaves a caixa de pandora. Mas agora era tarde. O apartamento diminuia de tamanho, a cabeça dela em várias direções, a dele na defensiva.
- Quem mudou é você, eu só tenho que me proteger dessa mudança. Desculpa Arthur, mas esse processo é lento e tá exigindo de mim mais do que eu posso dar. Eu quero me desperdir, antes que seja tarde demais
Mas era. Se Arthur aceitasse a mudança, finalmente seria tarde demais.
Justificar
Matheus Oliveira