31 de agosto de 2010

Do elevador


Porque Carolina sonhou que do elevador de seu predio, ela gritava a Renan que pertencia a ele, e só a ele. E sonhou que eles se beijavam um pouco escondidos e um pouco às claras, porque nada mais era errado, nada mais era feio, tudo bem, o mundo continuava girando. E sonhou, uma ultima vez, que Renan a encontrava nua e deitada e encolhida no chão, e ela dizia a ele que tudo bem, que ela não deixou ninguém tocar nela, afinal, ela era tão dele e ele, sempre como um anjo, deixava ela ficar ali por mais algumas horas.
E então aconteceu que ela o viu lavando a louça, limpando cocô de cachorro e rindo muito e se sentiu tão dele, tão dele que quis ficar mais um pouco. De dentro do ônibus, quis pedir para voltar. Nos pés da escada quis pedir para subir e dentro do elevador, sentiu vontade de parar. São menos de 2 metros que separam o elevador da casa dele.
21:21.
21:22.
21:23.
Eram pessoas indo embora em dúzias, e ele chegando para ficar. Para estabelecer contato terrestre com o divino. E então aconteceu que ela o viu descabelado, passando creme para não ficar manchado e tirando as meias, e se sentiu tão dele, tão dele que só pensa em ficar mais algumas horas

Matheus Oliveira

23 de agosto de 2010

- Ela é tão livre que um dia será presa.
- Presa por quê?
- Por excesso de liberdade.
- Mas essa liberdade é inocente?
- É. Até mesmo ingênua.
- Então por que a prisão?
- Porque a liberdade ofende.

Clarice Lispector

16 de agosto de 2010

Às vezes me espanto e me pergunto como pudemos a tal ponto mergulhar naquilo que estava acontecendo, sem a menor tentativa de resistência. Não porque aquilo fosse terrível, ou porque nos marcasse profundamente ou nos dilacerasse - e talvez tenha sido terrível, sim, é possível, talvez tenha nos marcado profundamente ou nos dilacerado - a verdade é que ainda hesito em dar um nome àquilo que ficou, depois de tudo. Porque alguma coisa ficou.

Caio Fernando Abreu

12 de agosto de 2010

Ferida, triunfante, eu respondia em desafio: pode me mandar! Ele não mandava, senão estaria me obedecendo. Mas eu o exasperava tanto, que se tornara doloroso para mim ser o objeto de ódio daquele homem que de certo modo eu amava. Não o amava como a mulher que eu seria um dia, amava-o como uma criança que tenta desastradamente proteger um adulto, com colera de quem ainda não foi covarde e vê um homem forte de ombros tão curvos.

Clarice Lispector

8 de agosto de 2010

Como num filme de estrada


Na minha vida toda, eu escolhi acreditar que eu estava dentro de um filme. Cada ação de cada pessoa era milimétricamente planejada, escrita. E comecei a agir pensando no que eu gostaria que acontecesse se eu estivesse assistindo esse filme. Eu era o personagem principal, e sendo assim, eu deveria chamar a atenção. Pensei que o personagem principal deveria ser simpatico, deveria se arrumar, deveria viver, machucar alguém, ser machucado e acreditar em destinos, histórias inventadas. Mas se eu já tenho 16 anos e nada aconteceu. Nenhum mundo se moveu, alienigenas invadiram a Terra, meus dias de outono não foram marcados por nada e nem ninguém, eu nunca consegui entregar meu coração a alguém que quisesse, e nunca consegui bloquear os sentimentos. Se nada acontecia diferente na minha vida, eu não era o personagem principal. Mas se essa é a minha história e o personagem principal não vive, eu comecei a me perguntar o que eu estava fazendo ali. Se eu não vivia tanto quanto tinha vontade, se eu não tentava todas as possibilidades de destino, se eu não saia todos os finais de semanas em busca de alguma coisa maior como eu deveria estar fazendo, o que eu estava fazendo ali?

Matheus Oliveira