8 de dezembro de 2012

Talvez num novo outro o outro antigo voltará

 "Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum.
E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos 
desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, 
tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa."
Caio Fernando Abreu

           A curva do queixo é tão profunda quanto o meu eu-lirico. Profundíssimo. Eu tentei dizer para você que te amava dentro do cinema enquanto um filme brega e brasileiro passava na tela, mas eu gaguejei e consegui te dar no máximo um abraço desengonçado. Eu te amava porque você foi todos os personagens que eu inventei para conseguir me libertar de todos os problemas do mundo real, você era a soma de todas as qualidades ideais, mesmo que eu não soubesse com certeza se você era. Amor em excesso pode esmagar, mas você aparecia em doses homeopáticas. Longe o suficiente para eu não cansar de você nem por um segundo, perto o bastante para conseguir controlar até a minha respiração. Depois de amores incolores, bizarros, carentes e tortos, eu reconheci em você, no seu olhar centralizado, no seu modo de andar, no seu modo de rir, no seu sorriso espalhado o cara que iria me salvar de uma vida bege. E você me salvou sim, três meses e meio de salvação diária, e mais, e mais, esperanças: existe amor sim, é real porque eu senti, e foda-se quem acha que não.
         No dia nove de dezembro eu te absorvi com todas as suas perfeições e imperfeições, e apartir disso eu pude moldar a vida em torno de você. O que sobrou depois que você foi embora foi a sua ausência, oca, dolorida. E se eu penso em você sempre lembro daquela música do chico que diz que "o amor não tem pressa, ele sabe esperar em silêncio".
      Duas vezes eu quase morri de saudades de você. Uma quando vez quando eu te vi no shopping passando de jaqueta preta enquanto eu estava todo sujo de queijo cheddar, então eu tive que sair correndo e me esconder no canto até esperar a sindrome do pânico passar. O lanche não me fez bem, e para ajudar tinha um buraco negro no meu peito que absorvia toda a claridade em volta. A outra vez foi quando minha mãe revirou minhas coisas para achar algo que me comprometesse. E então ela achou a minha caixinha de recordações, um pouco brega e infantil, eu sei, mas muito valiosa ainda assim. E de todas as cartas das minhas histórias passadas, dos meus romances não-dolorosos, dos meus bilhetinhos pouco apaixonados, ela resolveu jogar fora justamente todas os ingressos para o cinema que eu tinha guardado de todas as vezes que a gente se encontrou. Nesse dia eu chorei como se eu fosse um filhote abandonado. Era a última coisa que eu tinha guardado, e então eu fiquei desprovido de qualquer coisa material que me levasse de volta a você.
       Hoje nós faríamos dois anos, mas estamos muito distantes agora e não estamos completando absolutamente nada. Mas você cultivou em mim um sentimento tão puro que vai continuar sendo sempre completamente seu, ainda que eu não demonstre. Eu te amo com todas as minhas verdades, com todas as minhas loucuras e com todas as minhas necessidades.

           Feliz aniversário de namoro psicologico, coração, me perdoa pela obsessão de te manter dentro de mim, mas é que você é pisciano com ascendente em virgem e eu sou virginiano com ascendente em peixes, e isso para mim significa o mundo.

Matheus Oliveira 

27 de julho de 2011

Dispenso a exortação, fique aí, no círculo da tua luz, e me deixe aqui, na minha intensa escuridão, não é de hoje que chafurdo nas trevas: não cultivo a palidez seráfica, não construo com os olhos um olhar pio, não meto nunca a cara na máscara da santidade, nem alimento a expectativa de ver a minha imagem entronada num altar; ao contrário dos bons samaritanos, não amo o próximo, nem sei o que é isso, não gosto de gente, para abreviar minhas preferências; afinal, alguém precisa, pilantra -- e uso aqui tua palavrinha mágica -- 'assumir'o vilão tenebroso da história, alguém precisa assumi-lo pelo menos pra manter a aura lúcida, levitada sobre tua nuca; assumo pois o mal inteiro, já que há tanto de divino na maldade, quanto de divino na santidade; e depois, pilantra, se não posso ser amado, me contento fartamente em ser odiado

Raduan Nassar

2 de junho de 2011

Ele pode estar olhando tuas fotos neste exato momento. Por que não? Passou-se muito tempo, detalhes se perderam. E daí? Pode ser que ele faça as mesmas coisas que você faz escondida, sem deixar rastro nem pistas. Talvez, ele passa a mão na barba mal feita e sinta saudade do quanto você gostava disso. Ou percorra trajetos que eram teus, na tentativa de não deixar que você se disperse das lembranças. As boas. Por escolha ou fatalidade, pouco importa, ele pode pensar em você. Todos os dias. E, ainda assim, preferir o silêncio. Ele pode reler teus bilhetes, procurar o teu cheiro em outros cheiros. Ele pode ouvir as tuas músicas, procurar a tua voz em outras vozes. Quem nos faz falta, acerta o coração como um vento súbito que entra pela janela aberta. Não há escape. Talvez, ele perceba que você faz falta e diferença, de alguma forma, numa noite fria. Você não sabe. Ele pode ser o cara com quem passará aquele tão sonhado verão em Paris. Talvez, ele volte.

Caio Fernando Abreu

8 de maio de 2011

Sem fim


Decorar essa música, vomitando sangue, não esquece de respirar, sorrir, bom dia, boa tarde, não estalar os dedos, me apoia que eu não quero cair hoje, cinco meses, isso se eu não errei a data, errei no quarto mês e fiquei aí, sofrendo dois dias em série em excesso em exagero por falta de atenção, não ver passar o tempo, acordar mais cedo, con-cen-tra-ção, força de vontade, parar de comer isso e aquilo, engordar uns kilos pode, mas só no final do semana, segura na minha mão, louco louco louco, estalar o pescoço pode, tomar chá, agora quero uma vida zen, nenhuma emoção, nenhuma cocégazinha, nenhum impulso vital, ah, me socorre, tudo isso não tem valor se, você sabe, depois seis meses, depois sete e então nunca mais? sempre dura o mesmo tanto que nunca? ligar-desligar chuveiro, água quente para lavar a alma, alma fria para fechar os poros, um olhar, um toque, um gesto, qualquer coisa, cuspindo sangue, arrotando ensaios, fora do padrão, sofrer além do necessário, além do esperado, além do correto, e tudo isso por que mesmo? ah, me socorre, mesmo que

Matheus Oliveira

30 de abril de 2011

Eu te amo, repete sozinha para o escuro toda noite, pouco antes de seu corpo dissolver-se na espuma do sono, eu te amo. E se pudessem saber, os outros, todos saberiam que isso não deixa de ser uma vitória, tão dúbia que parece também uma completa derrota.

Caio Fernando Abreu
Como o amava - e tanto - quis dizer-lhe que tivesse cuidado. E que se curvasse ao me ver baixando a mão até o cinto para retirar o punhal e lentamente cráva-lo inúmeras vezes no seu peito múltiplo (...)

Caio Fernando Abreu
Ah, me socorre que hoje não quero fechar a porta com essa fome na boca, beber um copo de leite, molhar plantas, jogar fora jornais, tirar o pó de livros, arrumar discos, olhar paredes, ligar-desligar a tevê, ouvir Mozart para não gritar e procurar teu cheiro outra vez no mais escondido do meu corpo, acender velas, saliva tua de ontem guardada na minha boca, trocar lençóis, fazer a cama, procurar a mancha de esperma tua nos lençóis usados, agora está feito e foda-se, nada vale a pena, puxar as cobertas, cobrir a cabeça, tudo vale a pena se a alma, você sabe, mas a alma existe mesmo? e quem garante? e quem se importa? apagar a luz e mergulhar de olhos fechados no quente fundo da curva de teu corpo, tanto frio, naufragar outra vez em tua boca, reinventar no escuro teu corpo moço de homem apertando contra meu corpo de homem moço também, apalpar as virilhas, o pescoço, sem entender, sem conseguir chorar, abandonado, apavorado, mastigando maldições, dúbios indícios, sinistros argúrios, e amanha não desisto: te procuro em outro corpo, juro que um dia eu encontro.

Não temos culpa, tentei. Tentamos.

Caio Fernando Abreu

21 de abril de 2011

Não diz nada, você não diz nada. Apenas olha para mim, sorri. Quanto tempo dura? Faz pouco despencou uma estrela, e fizemos, ao mesmo tempo e em silêncio, um pedido, dois pedidos. Pedi para poder tocá-lo. Você não me conta seus pedidos (...) Naufrago em tua boca, esqueço, mastigo tua saliva, afundo. Escuridão e umidade, calor rijo do seu corpo contra minha coxa, calor rijo do meu corpo contra tua coxa. Amanhã não sei, não sabemos. (...)
(...) no fim destes dias encontrar você que me sorri, que me abre os braços, que me abençoa e passa a mão na minha cara marcada, no que resta de cabelo da minha cabeça confusa, que me olha no olho e me permite mergulhar no fundo quente da curva do teu ombro (...) e você me aquieta repetindo que está tudo bem, tudo, tudo bem (...)
O cheiro do teu corpo persiste no meu durante dias. Não tomo banho. Guardo, preservo, cheiro o teu cheiro grudado no meu. E basta fechar os olhos para naufragar outra vez e cada vez mais fundo na tua boca. (...) Alguma coisa então pára, todas as coisas páram (...) Quero fazer um feitiço para que nada mais volte a andar. Quero ficar assim, no parado. Sei com medo que o que trouxe você aqui foi esse meu jeito de ir vivendo como quem pula poças de lama, sem cair nelas, mas sei que agora esse meu jeito de despedaça. (...) Fico noite, fico dia. Fico farpa, sede, garra, prego. Fico tosco e você se assusta com minha boca faminta voraz desdentada de moleque mendigo pedindo esmola neste cruzamento onde viemos dar.
A cidade está louca, você sabe. A cidade está doente, você sabe. A cidade está podre, você sabe. Como posso gostar de você no meio desse doente podre louco? (...)
Não temos aonde ir, nunca tivemos aonde ir. Um nojo, vezenquando me dá um asco - nojo é culpa, nojo é moral - você se sente sórdido, baby? (...)
Como se lutássemos - só nós dois, sós os dois, sóis os dois - contra dois mil anos de amontoados de mentiras e misérias, assassinatos e proibições. Dois mil anos de lama, meu amigo. Esse lixo atapetando as ruas que suportam nossos passos que nunca tiveram aonde ir.
(...) e vou dizendo lento, como quem tem medo de quebrar a rija perfeição das coisas, e vou dizendo leve, então, no teu ouvido duro, na tua alma fria, e vou dizendo louco, e vou dizendo longo sem pausa - gosto muito de você gosto muito de você gosto muito de você.
Viver agora, tarefa dura. De cada dia arrancar das coisas, com as unhas, uma modesta alegria; em cada noite descobrir um motivo razoável para acordar amanhã. (...) por favor, não me empurre de volta ao sem volta de mim, há muito tempo estava acostumado apenas a consumir pessoas como quem consume cigarros, a gente fuma, esmaga a ponta no cinzeiro, depois vira na privada, puxa a descarga, pronto, acabou. Desculpe, mas foi só mais um engano? E quantos restam ainda na palma da minha mão?

Caio Fernando Abreu

19 de abril de 2011

Ah. Menina, o que foi que aconteceu com você? O que foi que fizeram com você? Eu não sei, eu não entendo. Roubaram a minha alegria (...) roubaram a minha alegria, é tudo uma farsa, aquele olho desmaiado, é tudo uma farsa, roubaram a minha alegria. A primavera, o vento, esperei tanto por essa margarida, e veja só. Atrofiada. Aleijada. As pedras frias do chão da cozinha, rolar nua neste chão, qualquer dia faço uma loucura.

Caio Fernando Abreu

16 de abril de 2011

Eu me sinto às vezes tão frágil, queria me debruçar em alguém, em alguma coisa. Alguma segurança. Invento historinhas para mim mesmo, o tempo todo, me conformo, me dou força. Mas a sensação de estar sozinho não me larga. Algumas paranóias, mas nada de grave. O que incomoda é esta fragilidade, essa aceitação, esse contentar-se com quase nada. Estou todo sensível, as coisas me comovem...

Caio Fernando Abreu