27 de julho de 2011

Dispenso a exortação, fique aí, no círculo da tua luz, e me deixe aqui, na minha intensa escuridão, não é de hoje que chafurdo nas trevas: não cultivo a palidez seráfica, não construo com os olhos um olhar pio, não meto nunca a cara na máscara da santidade, nem alimento a expectativa de ver a minha imagem entronada num altar; ao contrário dos bons samaritanos, não amo o próximo, nem sei o que é isso, não gosto de gente, para abreviar minhas preferências; afinal, alguém precisa, pilantra -- e uso aqui tua palavrinha mágica -- 'assumir'o vilão tenebroso da história, alguém precisa assumi-lo pelo menos pra manter a aura lúcida, levitada sobre tua nuca; assumo pois o mal inteiro, já que há tanto de divino na maldade, quanto de divino na santidade; e depois, pilantra, se não posso ser amado, me contento fartamente em ser odiado

Raduan Nassar

2 de junho de 2011

Ele pode estar olhando tuas fotos neste exato momento. Por que não? Passou-se muito tempo, detalhes se perderam. E daí? Pode ser que ele faça as mesmas coisas que você faz escondida, sem deixar rastro nem pistas. Talvez, ele passa a mão na barba mal feita e sinta saudade do quanto você gostava disso. Ou percorra trajetos que eram teus, na tentativa de não deixar que você se disperse das lembranças. As boas. Por escolha ou fatalidade, pouco importa, ele pode pensar em você. Todos os dias. E, ainda assim, preferir o silêncio. Ele pode reler teus bilhetes, procurar o teu cheiro em outros cheiros. Ele pode ouvir as tuas músicas, procurar a tua voz em outras vozes. Quem nos faz falta, acerta o coração como um vento súbito que entra pela janela aberta. Não há escape. Talvez, ele perceba que você faz falta e diferença, de alguma forma, numa noite fria. Você não sabe. Ele pode ser o cara com quem passará aquele tão sonhado verão em Paris. Talvez, ele volte.

Caio Fernando Abreu

8 de maio de 2011

Sem fim


Decorar essa música, vomitando sangue, não esquece de respirar, sorrir, bom dia, boa tarde, não estalar os dedos, me apoia que eu não quero cair hoje, cinco meses, isso se eu não errei a data, errei no quarto mês e fiquei aí, sofrendo dois dias em série em excesso em exagero por falta de atenção, não ver passar o tempo, acordar mais cedo, con-cen-tra-ção, força de vontade, parar de comer isso e aquilo, engordar uns kilos pode, mas só no final do semana, segura na minha mão, louco louco louco, estalar o pescoço pode, tomar chá, agora quero uma vida zen, nenhuma emoção, nenhuma cocégazinha, nenhum impulso vital, ah, me socorre, tudo isso não tem valor se, você sabe, depois seis meses, depois sete e então nunca mais? sempre dura o mesmo tanto que nunca? ligar-desligar chuveiro, água quente para lavar a alma, alma fria para fechar os poros, um olhar, um toque, um gesto, qualquer coisa, cuspindo sangue, arrotando ensaios, fora do padrão, sofrer além do necessário, além do esperado, além do correto, e tudo isso por que mesmo? ah, me socorre, mesmo que

Matheus Oliveira

30 de abril de 2011

Eu te amo, repete sozinha para o escuro toda noite, pouco antes de seu corpo dissolver-se na espuma do sono, eu te amo. E se pudessem saber, os outros, todos saberiam que isso não deixa de ser uma vitória, tão dúbia que parece também uma completa derrota.

Caio Fernando Abreu
Como o amava - e tanto - quis dizer-lhe que tivesse cuidado. E que se curvasse ao me ver baixando a mão até o cinto para retirar o punhal e lentamente cráva-lo inúmeras vezes no seu peito múltiplo (...)

Caio Fernando Abreu
Ah, me socorre que hoje não quero fechar a porta com essa fome na boca, beber um copo de leite, molhar plantas, jogar fora jornais, tirar o pó de livros, arrumar discos, olhar paredes, ligar-desligar a tevê, ouvir Mozart para não gritar e procurar teu cheiro outra vez no mais escondido do meu corpo, acender velas, saliva tua de ontem guardada na minha boca, trocar lençóis, fazer a cama, procurar a mancha de esperma tua nos lençóis usados, agora está feito e foda-se, nada vale a pena, puxar as cobertas, cobrir a cabeça, tudo vale a pena se a alma, você sabe, mas a alma existe mesmo? e quem garante? e quem se importa? apagar a luz e mergulhar de olhos fechados no quente fundo da curva de teu corpo, tanto frio, naufragar outra vez em tua boca, reinventar no escuro teu corpo moço de homem apertando contra meu corpo de homem moço também, apalpar as virilhas, o pescoço, sem entender, sem conseguir chorar, abandonado, apavorado, mastigando maldições, dúbios indícios, sinistros argúrios, e amanha não desisto: te procuro em outro corpo, juro que um dia eu encontro.

Não temos culpa, tentei. Tentamos.

Caio Fernando Abreu

21 de abril de 2011

Não diz nada, você não diz nada. Apenas olha para mim, sorri. Quanto tempo dura? Faz pouco despencou uma estrela, e fizemos, ao mesmo tempo e em silêncio, um pedido, dois pedidos. Pedi para poder tocá-lo. Você não me conta seus pedidos (...) Naufrago em tua boca, esqueço, mastigo tua saliva, afundo. Escuridão e umidade, calor rijo do seu corpo contra minha coxa, calor rijo do meu corpo contra tua coxa. Amanhã não sei, não sabemos. (...)
(...) no fim destes dias encontrar você que me sorri, que me abre os braços, que me abençoa e passa a mão na minha cara marcada, no que resta de cabelo da minha cabeça confusa, que me olha no olho e me permite mergulhar no fundo quente da curva do teu ombro (...) e você me aquieta repetindo que está tudo bem, tudo, tudo bem (...)
O cheiro do teu corpo persiste no meu durante dias. Não tomo banho. Guardo, preservo, cheiro o teu cheiro grudado no meu. E basta fechar os olhos para naufragar outra vez e cada vez mais fundo na tua boca. (...) Alguma coisa então pára, todas as coisas páram (...) Quero fazer um feitiço para que nada mais volte a andar. Quero ficar assim, no parado. Sei com medo que o que trouxe você aqui foi esse meu jeito de ir vivendo como quem pula poças de lama, sem cair nelas, mas sei que agora esse meu jeito de despedaça. (...) Fico noite, fico dia. Fico farpa, sede, garra, prego. Fico tosco e você se assusta com minha boca faminta voraz desdentada de moleque mendigo pedindo esmola neste cruzamento onde viemos dar.
A cidade está louca, você sabe. A cidade está doente, você sabe. A cidade está podre, você sabe. Como posso gostar de você no meio desse doente podre louco? (...)
Não temos aonde ir, nunca tivemos aonde ir. Um nojo, vezenquando me dá um asco - nojo é culpa, nojo é moral - você se sente sórdido, baby? (...)
Como se lutássemos - só nós dois, sós os dois, sóis os dois - contra dois mil anos de amontoados de mentiras e misérias, assassinatos e proibições. Dois mil anos de lama, meu amigo. Esse lixo atapetando as ruas que suportam nossos passos que nunca tiveram aonde ir.
(...) e vou dizendo lento, como quem tem medo de quebrar a rija perfeição das coisas, e vou dizendo leve, então, no teu ouvido duro, na tua alma fria, e vou dizendo louco, e vou dizendo longo sem pausa - gosto muito de você gosto muito de você gosto muito de você.
Viver agora, tarefa dura. De cada dia arrancar das coisas, com as unhas, uma modesta alegria; em cada noite descobrir um motivo razoável para acordar amanhã. (...) por favor, não me empurre de volta ao sem volta de mim, há muito tempo estava acostumado apenas a consumir pessoas como quem consume cigarros, a gente fuma, esmaga a ponta no cinzeiro, depois vira na privada, puxa a descarga, pronto, acabou. Desculpe, mas foi só mais um engano? E quantos restam ainda na palma da minha mão?

Caio Fernando Abreu

19 de abril de 2011

Ah. Menina, o que foi que aconteceu com você? O que foi que fizeram com você? Eu não sei, eu não entendo. Roubaram a minha alegria (...) roubaram a minha alegria, é tudo uma farsa, aquele olho desmaiado, é tudo uma farsa, roubaram a minha alegria. A primavera, o vento, esperei tanto por essa margarida, e veja só. Atrofiada. Aleijada. As pedras frias do chão da cozinha, rolar nua neste chão, qualquer dia faço uma loucura.

Caio Fernando Abreu

16 de abril de 2011

Eu me sinto às vezes tão frágil, queria me debruçar em alguém, em alguma coisa. Alguma segurança. Invento historinhas para mim mesmo, o tempo todo, me conformo, me dou força. Mas a sensação de estar sozinho não me larga. Algumas paranóias, mas nada de grave. O que incomoda é esta fragilidade, essa aceitação, esse contentar-se com quase nada. Estou todo sensível, as coisas me comovem...

Caio Fernando Abreu
Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir ás minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado de alma e sim um signo do zodíaco.

Gabriel García Marquez
Eu me agarro à beiradinha do meu amor, eu imploro pra que ele fique, ainda que doa mais do que cabe em mim, eu imploro pra que pelo menos esse amor que eu sinto por você não me deixe, pelo menos ele, ainda que insuportável, não desista(...) Que se foda a auto-ajuda, que se fodam os livros com homens carecas, que se foda o terceiro olho e que se foda a psicologia: eu sou mesmo metade sem você e que se foda! Se antes de você aparecer eu já te amava, eu já te esperava, eu já sabia que você existia, como eu posso não te amar agora que você tem forma, sorriso, coração e nome?

Tati Bernardi
Deu vontade de ficar mais tempo junto, deu vontade de levar essa história até o fim – e eu não tenho a menor idéia do que você pensa a respeito, a gente não conversa sobre isso, só fica fazendo uma linha nada-tem-muita-importância, ou algo assim.

Caio Fernando Abreu
Em outros tempos diria “Tomei raiva de você”. Mas nem foi raiva, vejo isso agora. É só tristeza mesmo. “Tomei tristeza de você”.

Caio Fernando Abreu

30 de março de 2011

O que sobrou

“Fico tão cansada às vezes, e digo para mim mesma que está errado,
que não é assim, que
não é este o tempo, que não é este o lugar, que não é esta a vida. (…)"
Caio Fernando Abreu


De segunda a sexta, das 6 às 6, banho, esfregava bem as costa, perfume com cheiro de talco, ônibus cheio, ônibus cheio. Olhos irônicos ao ver os homens que passavam, o tempo ocupando uma grande parte de dentro e ainda sim todo aquele espaço que sobrava e preenchia. Carolina olhava-se no espelho e via marcas (tantas marcas) e tão profundas. Olhava-se no espelho com ironia, se achando cínica, tão cínica, cínica, cínica. Sentia tanta falta de tudo ultimamente: de Fernando, da garota que gostava de garotas que morava na rua de trás, da garota que gostava de garotos (até demais) da rua de baixo, de Bianca, de Arthur (principalmente de Arthur), de Lucas (principalmente de Lucas) e pensava consigo mesma que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, então meu deus (em minúscula), que bom, meu deus, que amor, desse jeito assim, ela só sentiria uma vez. O que sobrou depois que estes foram embora foi só uma vontade de furar o saco, romper os cordões, deixar doer, deixar deitar, esperar a esperada hora de terminar o dia e de começar outro. Carolina olhava-se no espelho e via seus olhos tão irônicos, tão cínicos e agora tão tristes, e foi explicando aos trancos, agora mais cansada:
- uma hora tudo vai ser limpo e lindo e claro e preenchedor.
Carolina sabia bem de seu poder auto-destrutivo de estragar a vida com beleza, beleza que preenchia todos os seus espaços, espaços que não se satisfaziam nunca. Ela e a sua vontade de ser novamente somente a garota que não queria mais nada, só tomar um banho quente e assistir alguma comédia-romântica-piegas em fins de semanas frustrados. Ela só tinha vontade de parar, enfim. Parar finalmente.

Matheus Oliveira

9 de março de 2011

Pensa em tudo que já foi feito e acredite em seu roteiro. Se teve dias de sol e noites nubladas, não importa. A vida não pode ser rebobinada como uma fita e cada personagem e cena teve o seu lugar na história. Não descarte as emoções sentidas nem menospreze as atitudes escolhidas. Apenas assista novamente de fora, cada pedaço, cada momento. Não pause sua vida porque em algum capítulo o roteiro não te agradou, há ainda muitas cenas por vir. Se no seu presente existem lembranças do passado, saiba que foi o seu passado que construiu seu presente. Não se ausente!


Fernanda Gaona

31 de janeiro de 2011

Eu preciso aprender a ser menos. Menos dramática. Menos intensa. Menos exagerada. Alguém já desejou isso na vida: ser menos? Pois é. Estranho. Mas eu preciso. Nesse minuto, nesse segundo, por favor, me bloqueie o coração, me cale o pensamento, me dê uma droga forte para tranqüilizar a alma. Porque eu preciso. E preciso muito. Eu preciso diminuir o ritmo, abaixar o volume, andar na velocidade permitida, não atropelar quem chega, não tropeçar em mim mesma. Eu preciso respirar. Me aperte o pause, me deixe em stand by, eu não dou conta do meu coração que quer muito. Eu preciso desatar o nó. Eu preciso sentir menos, sonhar menos, amar menos, sofrer menos ainda. Aonde está a placa de PARE bem no meio da minha frase? Confesso: eu não consigo. Nada em mim pára, nada em mim é morno, nada é pouco, não existe sinal vermelho no meu caminho que se abre e me chama. E eu vou... Com o coração na mochila, o lápis borrado, o sorriso e a dúvida, a coragem e o medo, mas vou... Não digo: "estou indo", não digo: "daqui a pouco", nada tem hora a não ser agora. Existe aí algum remedinho para não-sentir? Existe alguma terapia, acupuntura, pedras, cores e aromas para me calar a alma e deixar mudo o pensamento? Quer saber? Existe. Existe e eu preciso. Preciso e não quero.

Fernanda Mello

14 de janeiro de 2011

É fundamental que você escute todas as palavras, todas, e não fique tentando descobrir sentidos ocultos por trás do que estou dizendo, sim, eu reconheço que muitas vezes falei por metáforas, e que é chatíssimo falar por metáforas, pelo menos para quem ouve, e depois, você sabe, eu sempre tive essa preocupação idiota de dizer apenas coisas que não ferissem.

Caio Fernando Abreu

6 de janeiro de 2011

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.

Fernando Pessoa
As pessoas tendem a pensar universalmente que a felicidade é um golpe de sorte, algo que talvez lhe aconteça se você tiver sorte suficiente, com o tempo bom. Mas não é assim que a felicidade funciona. A felicidade é conseqüência de um esforço pessoal. Você luta por ela, faz força para obtê-la, insiste nela, e algumas vezes viaja o mundo à sua procura.

Elizabeth Gilbert
Ele existe. Você sabe que seriam bons amigos, bons parceiros, bons inimigos, mas você prefere ser a garota dele. E sabe que serão importantes na história um do outro para sempre, independentemente de tudo que estiver pra acontecer. Porque ele não é só um cara. Você não quer mais só um cara. E ele é tudo que você quer hoje.

Tati Bernardi