1 de março de 2010

Sente as pulsações. O frio da lâmina entre os dedos. A cicatriz, lembrança de uma outra queda. Do apartamento ao lado chegam os sons desfeitos de algo que devia ser música. Um vento indeciso de madrugada entra pela janela. Está sentado na cama, corpo nu, pés descalços, costas curvas. A lâmina vibra entre os dedos. Nenhum pensamento. Só espera. Atenção fixa em si mesma. Dobra os ombros, como se chorasse. E não corta. Joga a lâmina pela janela, vai-se curvando para si mesmo. Os braços se cruzam, enlaçam os joelhos, a cabeça afunda entre as pernas. Não chora sequer. No cinzeiro, o cigarro esquecido queima. Um fino fio de fumaça sobe aos poucos indeciso, adensando o ar que se enche de olhos, de mãos, de gestos incompletos, vozes veladas, palavras não formuladas. Sem compreender, vaga entre a fumaça e tomba. Como um cego, vendo apenas para dentro.

Caio F. Abreu

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