30 de julho de 2010

O nosso filme


A primeira vista ela parece até comum, mas se você a observa por mais de dois segundos, percebe que ela tem alguma coisa. Eu não faço a mínima idéia do que seja, nem ela. Mas tem. O canto de dentro dos olhos dela são puxados, embora não haja nenhuma descendência asiática. Não tem jeito aquele lábio inferior grosso, aquelas (mãos) cutículas (e todo o resto) bem feitas (por Deus?). Mas tem. Vai saber o que ela tem. Ela me matou na banheira do nosso castelo, e fugiu com todo o meu dinheiro ao som de Marilyn Manson. E esse é o fim do nosso filme. O começo é comum em todos os filmes romanticos-dramaticos: Eu a vejo em um dia cinza e chuvoso, ela nem se apercebe da minha presença. E essa é a nossa história. Nosso romance. E depois desse tipo de viagem, voltamos a realidade e eu a acho ainda mais bonita, coisas que só amigos de verdade conseguem. Ser completamente louco por uma pessoa sem se apaixonar por ela.
Por um instante, quis inventar uma pessoa que fosse tudo o que ela é, mas com um pouco de não-pseudo-romântico. Mas ela era tão real naquele momento que me faltou a capacidade de ser enganado. Por um instante quis sentir a falta de alguém, mas ela, com essa simpatia absurda não me deixou sentir isso por mais ninguém. Dentro do melhor lugar do mundo, amei minhas verdades, meus não-sentimentos, meus medos e minha incapacidade de amar. Pela primeira vez na vida, o garoto baixinho, moreninho, cansado e de olhos pesados foi convidado sozinho para a festa que o resto do mundo estava dando, e Bianca também.
Ganhamos juntos o desafeto de algumas pessoas, nos acusaram das mesmas coisas e até concluimos que somos um pouco parecidos. Mas não se preocupa, coração, eles não sabem o que é dormir num lençol branco e puro e poder sonhar com tudo o quiser sem sentir o corpo pesado, eles não sabem abraçar um amigo de verdade e encontrar um "grande amor". E é isso, eu te amo do jeito mais diferente que alguém poderia te amar.
Andamos na rua ao sol, eu limpo as folhas de seu cabelo e ela olha para os seus próprios pés. Nosso romance é lindo, coração. Mesmo que não haja nada de um romance de verdade. Mesmo que não seja um romance de verdade. E é exatamente por isso.

Matheus Oliveira, para Bianca, pelos 60 dias de carinho, afeição, alma mais leve, músicas trocadas e pela beleza mais infinita que alguém poderia ter: de dentro e de fora. Algumas coisas são para sempre, algumas coisas acabam antes que a gente perceba. Espero que você dure, que a gente dure.

28 de julho de 2010

As diferenças


Foi aos poucos que Carolina se aproximava de Fernando. Uma troca de olhares com algum tipo de tensão, depois uma risada despreocupada, depois um toque, depois uma quase aversão junto com um quase amor. A vida dos dois eram marcadas por quases: Ela, quase bonita. Ele, quase simpático.
Carolina olhou em volta e notou que estava completamente vazia, as paredes do lado de dentro quase colando-se umas as outras. Não conseguia distinguir o que passava pela sua mente, esse sentimento sem cara de sentimento, essa dor que de tanto doer, nem doía mais. O clima pesado de que algo fora ferido era quase tangível. Mas não era. Nada mais era tangível para ela.
Fernando não sabia como é que se fazia, como é que se doava, como é que se conectava. Alguma coisa ficava perdida naquela busca de algo inatingível, sacrificava muito, ele que queria viver.
Se encontraram na ponta das escadas. De dentro dela, janelas abriam, portas rompiam, vidros estilhaçavam, o ar parecia fugir a cada toque, a cada olhar, a cada sorriso. De dentro dele, nada. Se houvesse qualquer coisa, ela poderia ao menos se segurar, qualquer coisa. Mas ainda não havia, de ambas as partes. Por mais que restassem estilhaços, de sonhos tortos não dava mais para conceber realidade. Apesar de cheia de tudo, Carolina estava vazia como Fernando. Para ele, não havia com o que se preocupar. Para ela, só não era amor. De resto, era tudo, inclusive fuga. Principalmente fuga.

Matheus Oliveira

25 de julho de 2010

Mas se eu tivesse ficado, teria sido diferente? Melhor interromper o processo em meio: quando se conhece o fim, quando se sabe que doerá muito mais - por que ir em frente? Não há sentido: melhor escapar deixando uma lembrança qualquer, lenço esquecido numa gaveta, camisa jogada na cadeira, uma fotografia – qualquer coisa que depois de muito tempo a gente possa olhar e sorrir, mesmo sem saber por quê. Melhor do que não sobrar nada, e que esse nada seja áspero como um tempo perdido. Eu prefiro viver a ilusão do quase, quando estou "quase" certa que desistindo naquele momento vou levar comigo uma coisa bonita. Quando eu "quase" tenho certeza que insistir naquilo vai me fazer sofrer, que insistir em algo ou alguém pode não terminar da melhor maneira, que pode não ser do jeito que eu queria que fosse, eu jogo tudo pro alto, sem arrependimentos futuros! Eu prefiro viver com a incerteza de poder ter dado certo, que com a certeza de ter acabado em dor. Talvez loucura, medo, eu diria covardia, loucura quem sabe!

Caio Fernando Abreu
Fico tão cansada às vezes, e digo pra mim mesma que está errado, que não é assim, que não é este o tempo, que não é este o lugar, que não é esta a vida. E fico horas sem pensar absolutamente nada: (...) Claro, é preciso julgar a si próprio com o máximo de rigidez, mas não sei se você concorda, as coisas por natureza já são tão duras para mim que não me acho no direito de endurecê-las ainda mais.

Caio Fernando de Abreu
Cada vez que nos apaixonamos, estamos tendo a chance de acertar. Estamos tendo a oportunidade de zerar nosso hodômetro. De sermos estreantes. Uma pessoa acaba de entrar na sua vida, você é 0km para ela. Tanto as informações que você passar quanto as atitudes que tomar serão novidade suprema - é a chance de você ser quem não conseguiu ser até agora.

Martha Medeiros

19 de julho de 2010

Conexões


Carolina sempre fora do tipo de garota tímida, embora nos últimos tempos tivesse perdido essa característica para dar lugar a uma nova Carolina. Esta era um tanto simpática, um tanto comunicativa, aberta. Fernando já era do tipo de rapaz que não precisava de esforço para manter as pessoas ao seu redor. Se conheceram. Se conectaram. Mas era tarde demais para algumas coisas.
- Que horas são?
- Não sei...
Carolina, sempre impaciente, não conseguia ficar parada em um lugar por muito tempo. Talvez fosse os hábitos dos seus pais de se mudaram duas vezes por ano, talvez fosse as amizades que duravam menos do que namoros, não se sabe. Achava neurotizante, Fernando achava graça. Ela moveu-se de leve, colocando uma mão perto do coccix dele. Ele sentiu e fez um movimento involuntário para trás, para que houvesse o contato.
- Você bebe?
- Não, faz tempo.
- Você fuma?
- Uma vez, ou duas. Meus olhos lacrimejam um pouco
- Você bebe?
- Frequentemente
Eram mundos diferentes. Fernando era a idealização de todos os defeitos de um homem, mal recomendado por si, mas com uma beleza descumunal. E Carolina não era nem um pouco atraente. Não era feia, muito menos bonita. Não tinha os cabelos nem lisos nem cacheados. Não tinha a pele nem escura, nem clara. Não era nem muito baixinha, nem muito alta. Era comum, uma coadjuvante.
- Você quer beber alguma coisa?
- Talvez...
- Eu não devo ser muito atraente bêbado
- Isso eu duvido

Matheus Oliveira
Observo com atenção as criaturas humanas e sinto medo; não vejo a serena tranqüilidade de seres racionais. Pressinto que o animal vai de um momento para o outro, retomar a dianteira – e que a desumanização se dará em escala monstruosa

H. G Welles

17 de julho de 2010

Também aprendi que o amor interrompido em seu auge permanece bonito para sempre. O que pode ser muito doído ou pode ser um presente. Depende de como a gente quer guardar. Depende de como a gente quer seguir.

Cristiana Guerra

14 de julho de 2010

Juízo Final


Senta direito e não reclama, criança estúpida. Você não vai morrer sozinho, você não vai perder todos os amigos, você ainda vai escrever a tua história. Não precisa entrar em desespero desse jeito, não precisa fazer esse absurdo, esse inferno na terra. Tudo o que você precisa é paciencia, força para aguentar, vontade de tentar. Se você está assim agora, quero ver quando chegar o dia do juízo final. Você morre pelo que não acontece e gasta as tuas forças fazendo drama por qualquer coisa. Como se você não tivesse tamanho ou força para aguentar assim os empurroes da vida. Você é mimado, você é infantil, cresce pouco no corpo e nada na cabeça.
Então para de chorar. Para de acreditar que os outros vão te fazer mais forte. Agora o estado é o "você". Você tem o mundo inteiro para salvar, e não está sozinho. Então para, por favor, de pensar que está.

Matheus Oliveira

10 de julho de 2010

Crescer lendo livro mulherzinha fez com que eu jamais me conformasse com metades. Quero os melhores romances, ou prefiro ficar sozinha. Quero as melhores lembranças, ou prefiro não lembrar. Ou vivo intensamente, ou vou levando essa rotina que não incomoda, não interfere, não fere, mas também não é vida. Vou dispensando tudo o que não julgo suficiente pra me roubar a solidão. Vou excluindo do meu convívio todos que não parecem prontos pra marcar meu dias. E vou me excluindo um pouquinho também, vou me dispensando sem pudores, porque é mais fácil me deixar de lado do que lidar com a minha falta de coerência.
Estou ficando morna de tanto não me permitir ir além, de tanto calcular meus passos, me esconder em falsa timidez, evitar sentimentos, evitar relacionamentos, evitar gente só por ser gente e pela possibilidade de alguma coisa dar errado. Posso correr o risco de dar certo?

Verônica H
Sempre pensei que aconteceria, de criança acreditava nos adultos que era só pagar pra ver. Feio, meio assim desconfiado, perna em xis, já barrigudo, duvidando que eu conseguisse crescer. Mesmo assim, contudo, o tempo foi passando e eu fui adiando, mudo, os grandes dias que ia conhecer. Quem sabe amanhã? Próximo ano? Cebolinha com seus planos infalíveis ia me ensinar a ser forte, corajoso, bom de bola, um dos bonitos da escola muito embora eu não fizesse questão. Ainda bem que eu sou brasileiro, tão teimoso, esperançoso, orgulhoso de ser pentacampeão, já que se eu fosse americano pegaria uma pistola e a cabeça ia perder a razão: mataria quinze na escola, estouraria a caixola e apareceria na televisão. E por fim cresci, de insulto em insulto eu me vi como um adulto, culto, pronto pra o que mesmo? Já nem sei. Olho e não encontro, penso se não fui um tonto de acreditar no conto do vigário que escutei. Não tem carro me esperando, não tem mesa reservada, só uma piada sem graça de português. Não tem vinho nem champanhe ou taça, só um dedo de cachaça e um troco magro todo fim de mês. Tudo que eu sempre sonhei. Tanto que eu consegui... É tão bom estar aqui... Quanto ainda está por vir... Mas bobagem, quanta amargura, eu já sei que a vida é dura, agora é pura questão de se acostumar. Basta ter coragem e finura e o jogo de cintura aprendido dia a dia, bar em bar. Pra que reclamar se tem conhaque, se na tevê tem um craque e o meu Timão só entra pra ganhar? Pra que imitar Chico Buarque, pra que querer ser um mártir se faz parte do momento se entregar? E por fim tem até namorada, bonitinha, educada, séria, tudo o que mamãe vive a pedir. Tem beijinho e também trepada e a consciência pesada a cada nova vontadinha que surgir de outra mulher, de liberdade, de um amor de verdade, de poder fechar os olhos e sorrir, pensando que então, dali pra frente, seja qual for tua idade, o melhor ainda vai estar por vir!

Luiz Venâncio

9 de julho de 2010

Zodíaco


- Você é de virgem?
- Eu sou de Virgem.
- Eu sou de Áries.
- Áries é horrivel, né? Pelo menos é o que dizem.
- O que mais dizem?
- Que existem infernos e ascendentes astrais. Mas segundo "o que dizem", áries é o inferno astral de todo mundo.
- E o que é um ascendente?
- É o signo que está surgindo no horizonte quando você nasce. É meio que sua... Alma gemea.
- Qual é o seu ascendente?
- Peixes. Ou Áquario. O sexo com escorpião é ótimo. A coisa só não dura muito com Leão.
- E qual o meu ascendente?
(pausa)
- Virgem.
- Jura?
- Não, mas poderia dar certo.
- Talvez.
- Eu gosto de você.
- Por que?
- Porque você é o meu ascendente, talvez.
- Ou o seu inferno, talvez.
- Talvez.
- Eu gosto de você.
- Por que?
- Por que eu sinto que te conheço há anos. Mas só fazem esses minutos.
- É culpa do zodíaco.
- Talvez.

Matheus Oliveira

2 de julho de 2010

Sino dos ventos


Para relaxar, Carolina pegou uma xícara com chá e o seu livro de psicologia que o seu pai dera quando completara 16 anos e foi sentar-se na varanda. Ventava bastante, o sino dos ventos ressoava sem parar transmitindo um pouco de paz em algum lugar. Um pouco antes, apenas algumas horas atrás e sem saber o porquê, ela chorou porque se sentia um pouco mais gorda, mais feia, mais suja, mais incapacitada de amar do que o de costume. Ainda antes do que isso, se encontrou com alguém no elevador. Um sujeito muito bonito, meio alto demais e meio magro demais, mas engraçado e com alguma coisa no olhar diferente de todos os outros. E ele falava que dali a algumas horas, talvez nevasse um pouco. Ela sabia que nunca nevaria, mas estava fazendo muito frio e ele a convidara para tomar uma xícara de chá. Ela não aceitara, mas de alguma forma, alguma coisa ficou subentendida no olhar daqueles dois.

Matheus Oliveira

Meu orgulho diário


Orgulho maior, coração batendo fora do peito, em descompasso. Apesar dos pesares, das neuras, dos degraus e das lacunas, estou aqui. Orgulho maior, motivo de alegrias, risadas. Os meus sentimentos mais ternos são todos seus, completamente seus, unica e exclusivamente seus. Depois de todas as idas e vindas, você ficará bem aqui dentro, entre a minha asa e o meu coração. Depois de todas as despedidas doidas, eu ficarei bem com você, debaixo dos cabelos mais lindos que alguém poderia ter. Orgulho maior, queria eu ter essa paz, essa leveza e esse olhar. Foram horas e horas de assuntos aleatórios jogados ao vento, horas e horas de filmes contados, planos feitos e ilusões desfeitas. Com você é mais fácil. Com você tudo flui. E nem poderia ser diferente, afinal, você é o meu orgulho maior.

Matheus Oliveira, para Bárbara Bueno, pelas risada, finais de filmes contados, verdades, ajudas, manhãs adocicadas, prazeres absolutos, horas de felicidades, dias de esperança, meses de conversas e todo o tempo gasto na gente, pela gente.

1 de julho de 2010

São só imagens


Como se estivesse numa fuga constante, Carolina tomava ônibus e pegava trens nem ela sabia para onde. Com atitudes como essa, ela confirmava o que todos pensavam a seu respeito. Para algumas pessoas, ela era uma doente mental. Alguém que precisava de controle. Uma coitada. Ela transmitia esse tipo de imagem às pessoas pelas suas tatuagens, cabelos desgranhados e seu humor blasé. E todo mundo que tiravam essa impressão dela não desconfiavam das quedas, dos buracos pelos caminhos.

Matheus Oliveira
Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.

Martha Medeiros
Então, eis a minha única curiosidade: você às vezes pensa nisso, como eu penso? Com um suave aperto no coração? Ou será que você foi apenas um idiota que esqueceu de ir?

Fernanda Young
A vida humana acontece só uma vez, e não poderemos jamais verificar qual seria a boa ou a má decisão, porque, em todas as situações, só podemos decidir uma vez. Não nos são dadas uma primeira, segunda, terceira ou quarta chance para que possamos comparar decisões diferentes

Milan Kundera