31 de outubro de 2010

Não vou perguntar porque você voltou, acho que nem mesmo você sabe... Eu também não queria perguntar, pensei que só no silêncio fosse possível construir uma compreensão, mas não é, sei que não é, você também sabe, pelo menos por enquanto, talvez não se tenha ainda atingido o ponto em que um silêncio basta? É preciso encher o vazio de palavras, ainda que seja tudo incompreensão? Só vou perguntar porque você se foi, se sabia que haveria uma distância, e que na distância a gente perde ou esquece tudo aquilo que construiu junto. E esquece sabendo que está esquecendo...


Caio Fernando Abreu
Perdi algo que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se tivesse perdido um terceiro apoio que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Esse terceiro apoio eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Sei que só com duas pernas é que posso caminhar.


Clarice Lispector

25 de outubro de 2010

Tocar o chão


Quando a vi pela primeira vez. Há sempre esse espaço de tempo: quando a vi pela primeira vez e o depois. Quando a vi pela primeira vez, Bárbara era alta e forte, impenetravel, a esperada, o certo, a inquebrável. Ela tinha as unhas amarelas e chegou estufando o peito, como se fosse muito acima de qualquer coisa mas deixando transparecer uma leve insegurança num milésimo de segundo. Ao invés de eu perceber suas pernas, fiquei apenas me perguntando como é que uma garota igual a ela conseguia se sentir insegura. Nos segundos, dias e meses que se seguiram, toquei nela e senti no céu da boca um lugar com muita paz, coisa que só as pessoas muito boas conseguiam proporcionar. Senti do paraíso de poder deitar no chão com ela após uma das grandes quedas até poder carregar ela no espaço entre as minhas asas e a minha costela. Now my feet won't touch the ground now my head won't stop you wait a lifetime to be found. Camaleão, quimera, musa. Sua bondade a faz acreditar que o mundo é bom, e ao mesmo tempo blasfema toda a sujeira que a obrigam a ver. Pensou então, talvez, que não seria o bastante viver só com a risada. Provou do veneno que diminui os grandes e continuou em pé. Não arredou nem um milimetro de seu corpo em negação, não aceitou perder. Com essa falta de jeito para se entregar, com esse brilho no olhar que mistura medo e muito amor, com algumas marcas roxas no corpo e alguns machucados internos, Bárbara me protegeu de mim, me ajudou a dizer não aos meus medos e desejos nocivos, ambos tão intensos que não poderia ser outra pessoa, além dela, para se tornar, alem do meu amor, a minha cura.

Matheus Oliveira para Bárbara Bueno

19 de outubro de 2010

Eu quero eternizar o seu sorriso lindo – mas eu nunca falei dele pra você.
Nem falei do seu cheirinho bom. Que é o cheiro de uma nova vida que eu estava precisando tanto... E você nem sonha que eu sou meio ciumenta, bem chata, quero ser mãe e acredito no amor da minha vida. Acredito no amor pra sempre. Acredito em alma gêmea.

Tati Bernardi
Depois eu lembrei que todo mundo passa mas ninguém fica e tive vontade de chorar o choro mais longo e pesado do mundo. (...) Eu fui embora, tendo certeza mais uma vez de que nunca sou eu que vai embora.

Tati Bernardi

16 de outubro de 2010

A partida

no hero in her sky


Tomou com sua mão a minha mão,
num gesto amigo
que me confortou,
e assim introduziu-me no mundo das
secretas penas. Suspiros, choros,
gritos altos, e desesperados
corriam
naquele lugar escuro.Ouvindo-os, meu pranto corria também.
(A Divina Comédia - Dante Alighieri)


Forçava a mente para tentar lembrar aonde lera. "Naquele fundo vimos, após, gente de cor brilhante revestida, o avançar chorando e com passos fartos" e "que alguns segundos antes, sentiria o seu corpo inteiro relaxar por completo - como um golpe". Era isso, em nenhum momento uma dor, nem alegria, nem riso. Nada crescia de dentro de seu peito, nem borbulhava na sua garganta. Não havia alma querendo vir à tona, não havia gestos nervosos e ensaiados na frente do espelho grego. Ela percebeu que estava indo embora de si mesma como quem dorme, que não estava fugindo de nada, estava apenas escorregando para longe. Poético, até, esses sentimentos que passam por entre os dedos e se sublimam até não haver mais nada. Seria então esse o tempo anunciado de avançar chorando com passos fartos e corpos relaxados e um pouco inertes? Só sabia que partia assim, sem ter tempo de nada, rápido, decidida, imponente, impotente.


Matheus Oliveira

15 de outubro de 2010

Metal heart, you don't worth a thing


Lá está Carolina novamente. Sentada no sofá, de frente para festa. Algumas pessoas, alguns gestos, alguns toques, mas todos agora parecem assim um amontoado de massificações. Palavras perdidas, toques mal feitos, sorrisos mal ensaiados. Acontece que Carolina já não via mais o rosto de Fernando em todos os outros rostos, alguma coisa havia rompido. E então passou a fazer um esforço gigantesco para sair de casa. Talvez ela, talvez os outros, quem sabe. Pensava agora que era dolorido demais estar destinada a ser a substituta na vida das pessoas, mas quem não é? Dava tudo de si para preencher os buracos, as faltas, as exigências, servia de curativo para as feridas dos outros e depois - nada. Às vezes alguém aparecia, sim. Às vezes não.
E assim Carolina passou o resto dos dias, alguns trocares trocados em segredo, alguns sorrisos indecifráveis. Assim Carolina passou o resto da semana: sem nada no peito, sem nada no estomago, sem nada no coração. Era inteira uma ordem silenciosa - interna, maciça, tátctil. Ela não podia se permitir nada, todo tempo, seria loucura demais, iria doer demais. E assim Carolina passou o resto dos meses.

Matheus Oliveira