30 de abril de 2011

Ah, me socorre que hoje não quero fechar a porta com essa fome na boca, beber um copo de leite, molhar plantas, jogar fora jornais, tirar o pó de livros, arrumar discos, olhar paredes, ligar-desligar a tevê, ouvir Mozart para não gritar e procurar teu cheiro outra vez no mais escondido do meu corpo, acender velas, saliva tua de ontem guardada na minha boca, trocar lençóis, fazer a cama, procurar a mancha de esperma tua nos lençóis usados, agora está feito e foda-se, nada vale a pena, puxar as cobertas, cobrir a cabeça, tudo vale a pena se a alma, você sabe, mas a alma existe mesmo? e quem garante? e quem se importa? apagar a luz e mergulhar de olhos fechados no quente fundo da curva de teu corpo, tanto frio, naufragar outra vez em tua boca, reinventar no escuro teu corpo moço de homem apertando contra meu corpo de homem moço também, apalpar as virilhas, o pescoço, sem entender, sem conseguir chorar, abandonado, apavorado, mastigando maldições, dúbios indícios, sinistros argúrios, e amanha não desisto: te procuro em outro corpo, juro que um dia eu encontro.

Não temos culpa, tentei. Tentamos.

Caio Fernando Abreu

0 comentários:

Postar um comentário