- É pura magia.
Foi o que um disse dentro dos extremos da sala. A sala continha duas cadeiras velhas, um e o outro, feixes de luz entrando pelas janelas entreabertas e músicas. Ferozes, calmas.
- Aquela garota é feita de pura magia. Porque ela tem olhos grandes e cílios-postiços-verdadeiros. Não é corrompida nem com a desgraça mundial nem com o lixo que a fazem guardar debaixo da cama. Tem dedos de pianista, ela disse. De artista. E instituída de uma calma e beleza natural, sabe absolutamente tudo sobre buracos negros e brancos, que sugam e expelem.
O outro fez um movimento, como que prestes a falar, mas o primeiro não permitiu.
- Você vai perguntar se estou apaixonado por ela, eu sei. Mas não se preocupe, se fosse paixão, eu sentiria vontade de usufruir do seu corpo e não de sua mente. É mais do que amor, porque se fosse amor, a minha vontade seria de morrer e não de viver por ela. É alguma coisa indecifrada entre amor fraterno, amor de amigo e amor de pai.
No segundo seguinte, o outro se levantou e pôs-se a pensar. Era de fato diferente, essa garota. Conseguia equilibrar nas costas - e sem reclamar - qualquer extremo que lhe fosse dado. Se era dia de guerra, enchia-se de armadura para guerrear pelos outros. Se era dia de paz, sentava no chão e fazia ventar. Era perfeita. E então era isso, perfeição? Meu Deus, era essa a palavra que a descrevia. Enquanto isso, o primeiro acendia um cigarro e se distraía com a fumaça, esperando ver se ela conseguia chegar até o teto. Estava quase parando de falar, então sorriu e recomeçou
- Quero que dure, sabe? Essa viagem. Não sei, alucinação, talvez, o que eles chamam de efeito-colateral-do-remedio, efeito do ópio ou todo esse sentimento que eu não sei descrever. Espero que dure, porque essa história acabou de começar e já foi suficiente para acabar com todos os traumas e quedas que eu tive pelo caminho.
Matheus Oliveira, para Bárbara Bueno, em reciprocidade.